segunda-feira, março 02, 2009

Lembranças de um guarda chuva




CAPITULO 1

O dia havia começado igual a qualquer outro dia de verão. Os raios de sol brilhavam intensos através das frestas da janela e batiam nos meus olhos, fazendo com que acordasse irritado com a luz, e logo eu ouvia a voz de minha mãe.

- Bom dia Jesisai- disse minha mãe Henriqueta, com a voz mais doce que poderia fazer - Já é hora de acordar ou vai se atrasar para a escola, e hoje você tem prova logo na primeira aula, não está esquecido disso, está?

Claro que não estava esquecido da prova mais temida de todas, a de química. Mas o que não me deixava esquecê-la era o fato de que o destino de toda turma estava em minhas mãos hoje.

- Bom dia mãe! – Falei com a voz rouca de quem acabou de acordar. – Dá para me deixar dormir mais um pouquinho? A senhora sabe que te amo tanto – falei tentando fazer com que ela se comovesse e me deixasse na cama por mais cinco minutos. - Me acorda depois que todos já tiverem de banho tomado.
- Seus irmãos já estão prontos e sentados na mesa para tomar café da manha, só falta você. E esse tipo de psicologia não funciona comigo!
- Tudo bem. Já vou. – não fazia idéia do que aquela palavra significava. Mas não queria contrariá-la.
Pulei da cama e logo estava pronto para ir à escola. Não era muito fácil me levantar, mas uma vez em pé ninguém me parava.

- Urbano, os meninos estão prontos. Só falta Jesisai tomar café e já pode levá-los à escola. – Minha mãe falava com meu pai com a cabeça para dentro do quarto enquanto ele estava terminando de se trocar.
- Não vou tomar café mãe, já podemos ir. - Falei correndo e fui me juntar a meus irmãos.
- Não vai comer nada? Precisa botar alguma coisa na sua barriga.
- Estou sem fome, mãe. – A verdade é que estava ansioso demais para conseguir comer qualquer coisa. Não parava de pensar em como iria fazer aquilo, e só de saber que todos os meus colegas de classe estavam contando com isso, me dava um friozinho desagradável na barriga.
- Então? Todos para o carro. – disse meu pai com a voz forte que tinha.

Cleiton me esperava sentado na escada, impaciente, quando entrei no colégio 15 de Novembro. Ao me ver ele correu freneticamente.

- E aí Zai, tudo certo para hoje? Só decorei a resposta 15, como você mandou. Se não der certo eu não sei o que farei, meu pai vai me matar se tirar outra nota baixa. - Disse ele quase sem parar para respirar e com seus cabelos ruivos que nunca pareciam penteados, porem curtos demais para estarem desarrumados.
Eu podia sentir os olhares de todos da minha turma sobre mim enquanto caminhava triunfante em direção a minha sala. Uns confiantes, outros com medo, mas todos me admirando. Se não fosse Cleiton ao meu lado, que quase tropeçava em seus próprios pés, essa seria uma cena digna de um filme de super herói.

Ao entrar na sala Anita veio calmamente em nossa direção com duas tranças que caiam uma de cada lado do seu rosto, e seus óculos de grau de acrílico vermelho; sérios demais para uma menina daquela idade.

- Você é o assunto da manhã, Jesisai. – Disse ela, sem saber como aquilo me deixava envaidecido. - Se der mesmo certo, você será como um herói, mas se falhar – ela olhou para seus sapatos - vai ser a maior decepção para todos. As meninas me falaram que só decoraram a resposta 15. Elas confiam mesmo em você!
- Não se preocupe Anita, vai dar tudo certo. – Respondi alto e confiante, mas a verdade é que tentava convencer a mim mesmo do que acabara de dizer.
- Não estou nenhum pouco preocupada. Estudei todas as perguntas e sei da resposta de todas elas. – Isso era mesmo de se esperar de uma menina que nunca havia tirado uma nota abaixo de nove. Mas fiquei um pouco chocado ao entender que talvez ela não confiasse tanto assim em mim.

- Bom, espero que você tenha trazido a bolinha com o numero certo, Cleiton! – Falei sentindo-me meio superior.
- Claro que sim, acha que sou tão atrapalhado assim para me esquecer? – Fiquei calado para não magoá-lo com minha resposta. – Está aqui. Numero 15, como você pediu. Tirei do meu jogo de bingo que é igualzinho ao da professora. Acho até que foi comprado na mesma loja.
Peguei a bolinha de bingo da mão dele e analisei-a por um segundo.
- Perfeito! – disse olhando ao redor da sala. Todos estavam olhando ansiosos para mim.

O sinal tocou indicando que a professora logo estaria na sala. Cada um se dirigiu para o seu assento.
- Boa sorte! – disse Anita sorrindo, com seus olhos apertados atrás daqueles óculos fundo de garrafa.
- Obrigado. – respondi com cortesia tentando disfarçar o embrulho que sentia na minha barriga agora pelo nervosismo e por não ter comido. Ela se virou e caminhou saltitante em direção à sua cadeira.

A professora entrou na sala carregando papeis e uma sacola de veludo cor de vinho.
- Bom dia turma! – Disse ela sorrindo. Seu sorriso parecia de satisfação por ver os alunos com cara de ansiosos pelo que estava por vir. Mal sabia ela que não era a prova que todos temiam, e sim o meu ato “ heróico”.
- Bom dia professora. – todos responderem mecanicamente.
- Como vocês sabem, hoje é o dia da prova. Só quero lembrar-lhes as regras. Como eu sou uma professora boazinha, vou fazer com que vocês respondam apenas uma pergunta. – ela ria ironicamente ao dizer isso enquanto distribuía os papeis, mas ninguém a acompanhou no seu riso. – Aqui estão bolinhas com números de 1 a 20. Vou pedir que alguém puxe uma bolinha e o número que sair, será o número da pergunta que todos terão de responder, então espero que todos tenham estudado todas as perguntas para que não tenhamos nenhuma surpresa desagradável! – ela balançou a sacola de veludo cheio de bolinhas de bingo. – Muito bem... Quem vai se voluntariar?

Quase todas as cabeças da sala se voltaram para mim. Eu levantei a mão o mais rápido que pude, temendo que a professora percebesse os outros alunos me olhando por ‘motivo nenhum’. Ela sorriu e veio em minha direção. Até agora estava tudo indo bem.

- Muito bem! – ela falou ao colocar-se do lado de minha cadeira. – A partir de agora, não quero ouvir um ‘pio’ vindo de ninguém!!! Tirem apenas um lápis e fiquem prontos para responder.

Enquanto ela se dirigia aos outros da sala, puxei a bolinha de bingo de Cleiton que estava em meu bolso muito rapidamente. E de tão nervoso que estava ela escapou da minha mão batendo na minha cadeira e caindo no chão. Por um segundo o mundo todo ficou como que congelado para mim. Eu suava frio e tinha que tomar alguma atitude rápida, antes que a professora visse a fraude que a prova seria. Engoli a seco e me abaixei rapidamente cobrindo a bola no chão com minha mão.

- Algum problema Jesisai? – ela perguntou desconfiada. Seus olhos estavam sobre mim agora.
- Professora! – Disse Anita quase gritando. Chamando a atenção dela par si. – A senhora conferiu se tinham 20 bolhinhas mesmo antes de entrar na sala? – Perguntou ela enquanto me dava tempo de pegar a bolinha e esconde-la em minha mão.
- Mas é claro, mocinha! Como já falei estão aqui bolinhas de numero 1 a 20. Está duvidando da minha palavra? – perguntou a professora com um tom de ameaça. Anita viu que eu já havia resolvido meu problema, e então sorriu timidamente virando o rosto para olhar o papel em branco na sua frente.

- E então Jesisai, qual foi o problema? - Ela se virou novamente para me olhar.
- Problema nenhum, professora – eu falei sem graça. – Só fui apanhar meu lápis que havia caído. – Respondi levantando o lápis amarelo em minha mão.
Ela deu de ombro.

Coloquei a mão dentro da sacola ainda tremendo pela quase falha que tinha acabado de acontecer, enquanto via os olhos arregalados de todos os outros alunos. Parecia que eles compartilhavam o mesmo pavor que eu acabara de sentir. Fingi escolher a bolinha sabendo que a certa já estava dentro de minha mão e então a tirei dando o numero que havia escolhido para a professora.

- Todos prontos? – Disse ela em voz alta. Tão alta que me doeu os ouvidos. – A pergunta escolhida foi a 15, igual ao nome do colégio! – ela disse tentando descontrair a turma. Dessa vez ela não fez com sarcasmo. – Vocês terão 10 minutos para responder e depois daremos continuidade a aula com um assunto novo.

Todos se voltaram para seus papeis aliviados e começaram a responder. Eu olhei para Anita e dei um sorriso agradecido antes de fazer o mesmo. Ela revirou os olhos e se voltou para seu papel de resposta. E então todos estavam respondendo a pergunta combinada, enquanto eu lembrava que seria mesmo o herói da turma, e faria com que isso durasse o máximo de tempo possível. Estava orgulhoso de mim mesmo.
- Vocês tem apenas 7 minutos. – gritou a professora me dando um susto.
Sorri comigo mesmo e comecei a responder a única pergunta que havia decorado. A pergunta que tinha o mesmo nome do colégio. A pergunta 15.

Levei algum tempo para escrever, pois estava com a mão tremendo do susto que tinha levado a pouco, mas em fim consegui acabar bem na hora em que a professora passou recolhendo os papeis.

- Espero que todos tenham se saído bem na prova – Disse ela colocando as folhas em sua bolsa e virando-se para escrever o assunto novo no quadro. Logo senti alguém tocando em minhas costas.
- Claiton pediu para te passar esse bilhete. – disse Paulo num sussurro quase inaudível. Ele não queria ser disciplinado por estar conversando em aula. Já havíamos sido disciplinados muitas vezes juntos por bagunçar no colégio e seria um desperdício se fossemos pegos conversando na aula.
- Se vamos ser disciplinados – ele sempre dizia. – então vamos dar-lhes um bom motivo para isso.
Eu sempre concordava com esse seu modo de pensar.

Eu peguei o papelzinho dobrado de suas mãos e comecei a ler. Quase tremi quando a realidade daquele bilhete me atingiu. Seria uma catástrofe se aquilo acontecesse. Eu teria que pensar em algo; e rápido!

Zai,
Como faremos para tirar a minha bolinha da sacola? Não vai ser nada agradável se a professora descobrir quem tem dois números ‘15’ lá dentro.